Tottenham 3 Arsenal 1 – Semifinais FA Cup 1991

Série Grandes Jogos

Certamente o "North London Derby", entre os Gunners e os Spurs, é uma das maiores rivalidades locais da Grã Bretanha.

São vários jogos ao longo do tempo que vão enriquecendo esta fantástica história em cores tipicamente britânicas que remetem à bandeira do Reino Unido (azul e branco/vermelho e branco que os clubes vestem).

Então, sem mais enrolação, traduzimos a narrativa do Derby que teve lugar na semifinal da FA Cup de 1991, dum livro com as maiores partidas dos Spurs.

Através da leitura dele vocês descobrirão porque este jogo, em especial, foi marcante e é cantado em prosa e verso até hoje!

Boa leitura!

1. Distintivos dos clubes "se encarando" (Daily Mirror)

Paul Gascoigne teve o seu maior momento como jogador de futebol quando o Tottenham Hotspur e os seus torcedores mais precisaram. Boatos frequentes, durante a temporada de 1990-91, davam conta que os Spurs estavam em crise financeira e poderiam ir pro buraco. Acreditava-se que uma boa campanha na FA Cup poderia ajudar a salvar um clube altivo ao trazer dinheiro e atrair um salvador da pátria para garantir a salvação.

Como todo bom drama, com aventuras começando ao estilo de “À espera de um milagre” e terminando com “A vida é bela”, era necessário um personagem principal para atuar como herói. Os Spurs precisavam desesperadamente de um. Gazza foi destemido e deu um passo a frente pelo papel.

A pressão sobre o jogador, que havia se tornado um ícone doméstico na Inglaterra após derramar lágrimas na Copa da Itália em 90, deveria ser enorme. Mas o ídolo em que os Spurs depositavam sua fé, um homem do povo, queria ajudar a garantir que o clube tivesse futuro com o bônus de mais algumas glórias.

E ele concluiu o seu show de um homem só durante as rodadas com o seu grande momento, com seu tiro livre sendo avaliado pelo manager Terry Venables como o melhor que ele já havia visto até a 110ª edição da mais famosa competição doméstica do mundo. A verdade é que isso desencadeou uma vitória de 3 a 1 (Gary Lineker marcou os outros dois gols) contra o seu rival do Norte de Londres, o Arsenal, na primeira semifinal de Copa em Wembley faz este grande momento ficar ainda mais doce.

E isto aconteceu apenas 35 dias após submeter-se a uma operação dupla de hérnia, o que torna tudo mais impressionante. Próximo ao fantasmagórico. Como se tivéssemos perambulado pelo mundo de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, à exceção do Chapeleiro Louco nós tivemos um indivíduo frequentemente referido como sendo tão louco quanto o Chapeleiro (assim como a maioria dos fascinantes e talentosos futebolistas da sua geração por causa do seu controle de bola, dribles, força, trabalho duro, intensidade, capacidade de fazer gols, carisma e muito mais), mas neste caso ele é melhor descrito como um heroico Geordie.

2. Programa oficial da partida (eBay)

E literalmente vem o homem, vem a hora e aos 76 minutos Gazza foi substituído por Nayim tendo dado uma inesquecível contribuição para uma ocasião pela qual os Spurs e seus torcedores serão eternamente gratos.

A cena de abertura da aventura começa quatro anos antes. A vida nos Spurs após a saída de Glenn Hoddle para o Mônaco no fim da temporada de 1986-87 sempre seria complicada. Muito embora David Pleat tenha produzido um maravilho time e jogado igualmente um maravilhoso futebol naquela temporada, a ausência de Hoodle havia deixado um vácuo. Por sorte a luz de Chris Waddle brilharia intensamente como o meio-campista chefe em sucessão ao parceiro com o qual ele cantou o sucesso popular “Diamond Lights”.

A Era pós Hoddle estava em andamento quando revelações acerca da vida privada de Pleat deixou sua posição insustentável e ele pediu demissão em outubro de 1987.

Terry Venables tinha acabado de sair do Barcelona após ajudar o clube catalão a ganhar La Liga e a chegar a uma final de Copa dos Campões Europeus com a ajuda do ex-Spurs Steve Archibald e o homem de frente da Inglaterra na Copa do Mundo, Gary Lineker. Ele concordou rapidamente em vir, mas tinha problemas particulares para resolver antes. No vácuo que antecedeu a sua chegada, as esperanças dos Spurs em fazer uma temporada bem-sucedida foram por água abaixo, com um time sem leme e parecendo desanimado.

Então Venables, quando chegou no fim de novembro, planejou o futuro e no verão seguinte ele gastou 2 milhões de libras em Gazza e mais 1,5 milhão em Paul Stewart do Newcastle United e Manchester City, respectivamente.

Gascoigne estreou contra o seu ex-clube antes de marcar contra o Arsenal, na sua estreia em casa, com o seu inútil pé direito. Ele se estabeleceu rapidamente e levantou o ânimo com suas habilidades e senso de humor, embora não tenha conquistado troféus na sua primeira temporada em White Hart Lane.

3. Gazza cobrando a falta do primeiro gol do jogo (Getty Images)

Venables voltou ao mercado de transferências e para contratar Lineker do Barcelona e o goleiro norueguês Erik Thorstvedt do IFK Goteborg em 1989.

Gazza e Wadle suprindo os gols para Lineker num plantel estabelecido era uma perspectiva de dar água na boca. Mas esta nunca se tornou uma realidade. Uma oferta gigante de 4,25 milhões de libras por Waddle, do Olympique Marseille, foi aceita. As esperanças da pré-temporada foram esvaziadas, embora os Spurs tenham conseguido uma terceira colocação no campeonato. Problemas financeiros – com dívidas beirando os 20 milhões de libras – foram descobertas no início da temporada 1990-91, o que explicou a venda de um jogador-chave. Havia especulações de que Gazza e Lineker estavam a caminho de sair do clube e os Spurs poderiam ir às cordas.

E foi assim que a corrida pela FA Cup começou. Gazza e Lineker tramaram para Paul Stewart marcar o gol que deu a vitória de 1 a 0 contra o seu ex-time, Blackpool em Bloomfield Road na rodada de abertura. A superestrela dos Spurs, Gascoigne, estava lesionado contra o time da Quarta Divisão, mas continuou, mesmo sofrendo com seu problema de hérnia, a exercer o papel de herói nas três próximas rodadas.

Com os crescentes distúrbios rondando a inquieta diretoria, ele marcou duas vezes na vitória de 4 a 2 em White Hart Lane sobre o Oxford United, Lineker e Gary Mabutt completaram a lista de marcadores dos Spurs.

4. Gazza comemorando o seu gol (Getty Images)

Gazza estava desfilando o seu melhor na vitória, da quinta fase, sobre o Portsmouth em Fratton Park, marcando os dois gols que deram a vitória aos Spurs por 2 a 1. Ele acertou o alvo na vitória de 2 a 1 das quartas de final contra o Notts County em White Hart Lane, com Nayim marcando o outro gol do Tottenham. Mas os males físicos de Gazza precisavam desesperadamente ser tratados, então ele se submeteu à operação dupla de hérnia que tornou crítica a possibilidade dele encarar o Arsenal nas semifinais.

Os Gunners estavam no topo da tabela do campeonato e eram os favoritos para conseguir o Double ao também ganhar a FA Cup. Não é de estranhar, pois o Arsenal se mostrou muito merecedor de toda a empolgação pelo seu desempenho no torneio, despachando o Sunderland por 2 a 1, o Leeds United por 2 a 1 fora de casa após um replay, o Shrewsbury Town por 1 a 0 e o Cambridge United por 2 a 1.

O interesse envolvendo a partida era tão grande que a mudança para Wembley foi uma decisão de comum acordo. Todos que queriam ingressos foram acomodados.

Os Spurs estavam desesperados para que o seu talismã participasse do jogo. Venables fez uma aposta e colocou o nome de Gazza entre os titulares da equipe. Ele considerou que um Gazza meio em forma forneceria suficiente inspiração para conduzir o time à final somente pela sua simples presença.

Sua aura irradiou pelo velho e grande estádio. Mas, na verdade, os Spurs precisavam mais do que a aura de Gazza para contrariar as probabilidades e as esperanças dos seus vizinhos de conquistar os seus dois objetivos para a temporada sob as Torres Gêmeas (denominação do antigo estádio de Wembley por causa de duas torres que nele havia antes da sua remodelagem).

4. Lineker, entre Adams e Smith, chuta para ampliar para os Spurs (Getty Images)

Aos seis minutos ele foi responsável por um lance que ficou marcado no folclore dos Spurs. Gazza era conhecido pela sua petulância, mas a sua audácia nesta ocasião foi impressionante. Anders Limpar pegou Stewart com uma inócua, porém tardia falta a uns 32 metros de distância do gol. David Seaman era uma dos grandes goleiros da época, um jogador do English Team. Certamente ele era um goleiro capaz de defender chutes despretensiosos de distâncias ridículas. Michael Thomas e Paul Davies formaram a barreira com Kevin Campbell próximo deles. Ninguém, exceto Gazza estava esperando o que aconteceria em seguida.

Gazza decidiu rapidamente o que faria quando posicionou a bola para a cobrança. Com toda sua força ele bateu na bola em direção ao ângulo superior direito de Seaman, que tentou agarrar a bola com a ponta dos dedos, mas foi incapaz de deter a sua trajetória para dentro das redes, tendo ela entrado no ângulo atrás dele. Spurs 1 Arsenal 0.

Gazza correu em direção aos torcedores dos Spurs com o seu braço direito levantado e o dedo indicador levantado. Os companheiros de time o seguiram e pularam em cima dele na comemoração enquanto o barulho dos Lilywhites deve ter feito Wembley se preocupar que a Organização de Redução de Barulho fosse chamada, tal era o volume da sua celebração.

Numa tarde brilhante e um jogador funcionando abaixo do seu preparo físico ideal, em virtude da recente cirurgia, deixou o melhor time do país de joelhos. O sol estava brilhando sobre ele e os Spurs. Uma superestrela provando ser... uma superestrela. Isto deu aos Spurs a genuína crença de que uma vitória seria mais do que possível.

O imprevisível mago do Tyneside balançou a sua varinha mágica cinco minutos depois quando ele serviu o segundo para Lineker. Ele fez o um-dois com Paul Allen, colocando o seu colega de meio de campo livre pela direita com um movimento rápido do seu pé. Allen cruzou, o defensor Lee Dixon se atrapalhou com a bola, assim como David Howells. O atacante do Arsenal, Alan Smith, deixou a bola escapar dele e Lineker surgiu sobre o defensor dos Gunners, Tony Adams, para empurrar a bola para as redes. Spurs 2 Arsenal 0. O poder do futebol a produzir adrenalina nunca foi tão evidente. Os Gunners estavam pregados e os Galos do Tottenham estavam cacarejando em júbilo.

5. Gazza celebrando após o fim da partida (Steve Poole)

Os Spurs tiveram a sensação que aquele era o seu dia contra um time dirigido por George Graham (que se tornaria treinador dos Spurs alguns anos depois).

Allan Smith marcou um logo no começo do segundo tempo quando ele raspou com a cabeça um cruzamento de Dixon pela direita. Spurs 2 Arsenal 1. O Arsenal cresceu no jogo, mas a defesa dos Spurs estava determinada. A chama da confiança, fé e convicção construída pelos Lilywhites naqueles extraordinários primeiros minutos nunca oscilou.

O combustível de Gazza acabou e o seu substituto, Nayim, ajudou Lineker a fechar o jogo aos 76 minutos. Duas das figuras anônimas dos Spurs, Justin Edinburgh e o capitão Gary Mabbutt, também fizeram a sua parte. Edinburgh ganhou a bola que Thomas chutou em direção ao gol dos Spurs e encontrou Mabbutt na metade branca do círculo central do campo. O capitão fez o um-dois com Lineker e o deixou na metade vermelha do campo.

Lineker disparou em direção ao gol com a bola. Nayim pediu a bola à sua esquerda enquanto o imponente Vinny Samways fez uma corrida simbólica na frente dele. Lineker segurou a bola e colocou-a à esquerda de Tony Adams para bater forte no canto esquerdo, quando caiu de costas. A bola encontrou o seu rumo entre os dedos de Seaman e o fundo das redes. Spurs 3 Arsenal 1.

Quando o árbitro Ray Lewis apitou o fim do jogo, Gazza ganhou abraços e beijos de Terry Venables e seu assistente Doug Livermore antes de correr para o campo e se juntar à comemoração dos jogadores. Ele encontrou tempo para consolar Michael Thomas, Paul Merson e Tony Adams antes de ir em direção aos seus torcedores, gesticulando para eles continuarem a sua celebração fora do estádio. O herói Geordie em seu momento de triunfo.

Ele conduziu o time à final através dos ventos fortes de Bloomfield Road e em meio de uma das maiores semifinais que será lembrada por muito tempo.

Em sua autobiografia, Gazza, minha história, ele disse: “Nós fizemos o que a maioria das pessoas achava improvável, se não impossível. Nós batemos o Arsenal por 3 a 1. Melhor ainda, nós estávamos na final da FA Cup; eu estava na final da FA Cup pela primeira vez em minha vida. Na temporada anterior nós terminamos com a emoção de uma semifinal de Copa do Mundo, mas desta vez acabaríamos por cima.”

Com relação ao tiro livre ele declarou: “Eu bati na bola tão forte quanto eu podia, a direcionei para dar uma guinada e o pobre David Seaman foi batido.”

Venables disse ao Daily Mirror: “O tiro livre de Paul certamente foi o melhor visto na competição. Ele não somente chutou a bola com graça e precisão, ele chutou com uma incrível potência. Eu não consigo pensar em qualquer outro jogador que conseguiria fazer isso. Ele tem um caráter extraordinário. Eu não preciso motivar o time antes dos jogos – ele faz isso. Gazza foi uma fonte de energia no vestiário. Foi magnífico. Existiram outras grandes performances em campo como as de Paul Stewart e Paul Allen, mas a de Gazza foi algo especial.”

6. Gazza apontando para a torcida em sua comemoração característica (Getty Images)

Ficha técnica da partida:

Tottenham 3 (Lineker-2, Gascoigne) Arsenal 1 (Alan Smith)

Semifinais da FA Cup

14 de abril de 1991

Local: Wembley Stadium

Público: 77.893

Tottenham Hotspurs: Erik Thorstvedt, Steve Sedgley, Pat Van den Hauwe, Gary Mabbutt, Justin Edinburgh, Paul Allen, Paul Gascoigne (Mohamed Nayim), David Howells, Vinny Samways (Paul Walsh), Paul Stewart, Gary Lineker.

Arsenal: David Seaman, Lee Dixon, Tony Adams, Steve Bould, Nigel Winterburn, Paul Davis, Anders Limpar (Perry Groves), Paul Merson, Michael Thomas, Kevin Campbell, Alan Smith. *

* Tottenham Hotspur’s Greatest Games - Mike Donovan. ©

7. Capa do livro.

Tradução: Sandro Pontes