Série Grandes Jogos
A última
grande conquista dos Hammers veio na copa mais charmosa e tradicional do mundo
e contra um vizinho de Londres, mesmo (como acontecera em 1975 quando os
Hammers bateram os Cottagers)!
O Arsenal
fazia sua terceira final consecutiva, enquanto os Hammers eram um time de
Second Division logo, na opinião dos comentaristas esportivos, os Hammmers eram
os azarões!
Mas a mágica
aconteceu naquela tarde iluminada de maio de 1980...
Maiores
detalhes desta conquista inesquecível abaixo.
Boa leitura.
1. Programa oficial da final da FA Cup de 1980 (eBay) |
A última martelada
dos Hammers
Em maio de
1980 Margaret Thatcher era Primeira Ministra há apenas 12 meses, Dexy’s Midnight
Runners estava em primeiro lugar nas paradas musicais e o hooliganismo
continuava a arruinar o futebol inglês.
Upton Park,
em dias de jogos, era um lugar perigoso, com batalhas campais nas estações de
metrô locais, dúzias de cães policiais conduzindo torcedores para entrar ou
sair do campo e cercas de arame farpado separando torcedores rivais.
Os temíveis
hooligans do setor norte da Inter City Firm (ICF) estavam entre os mais
notórios disseminadores da violência no futebol. O Relatório Taylor (Taylor
Report) e o glamour da Premier Legue ainda estavam 12 anos distantes. Mas algumas
coisas nunca mudavam como, por exemplo, o Liverpool ganhar o campeonato da
First Division por dois pontos do Manchester United.
De qualquer
forma nada disso importava para os 100.000 espectadores no campo num dia
maravilhoso no começo de maio. Para os torcedores do West Ham, bater o Arsenal
na final da FA Cup em Wembley é o melhor que se poderia obter.
O clube
havia ganhado a FA Cup em duas ocasiões anteriores, mas a final de 1980 é muito
especial e permanece vívida na memória e no inconsciente coletivo do clube do
Leste de Londres. Para aqueles que têm bastante idade e foram afortunados o
suficiente de estar no velho estádio naquele sábado ensolarado de primavera, a
memória simplesmente é inesquecível.
Para os
padrões erráticos do clube o caminho até Wembley foi estranhamente fácil, pelo
menos até a semifinal. Após levar a melhor num replay da terceira fase contra o
West Brom por 2 a 1, os vizinhos do Orient forma despachados por 3 a 2 em
Brisbane Road.
2. Momento em que Trevor Brooking cabeceia para as redes (Getty Images) |
O West Ham
tinha superado a sua costumeira vulnerabilidade pós-Natal e podia aguardar com
confiança os embates em campos primaveris. As partidas da quinta e da sexta fase
trouxeram seguras vitórias em casa às custas de Swansea e Aston Villa,
respetivamente, e os torcedores começaram a ter esperanças.
Os Hammers
conquistaram o seu lugar em Wembley após uma dura batalha dupla na semifinal,
ganhando de 2 a 1 no replay.
A semifinal
contra o Everton será melhor lembrada pelos fãs do West Ham pelo gol que deu à
vitória no finzinho do jogo, um mergulho de cabeça de Frank Lampard. Sua
absurda rotina de celebrar correndo em direção aos fãs do West Ham antes de uma
dancinha improvável próximo da bandeirinha de escanteio permanece vívida na
memória.
Mas
certamente o homem da partida foi Alan Devonshire. O elegante meio-campista jogou
um excelente futebol com Brooking, uma das melhores partidas já vista em Upton
Park. Devonshire, uma figura cultuada no clube, dominou o meio de campo naquele
dia e marcou um gol inesquecível driblando o que parecia ser todo o time do
Everton antes de rolar a bola para as redes de um desesperado goleiro
adversário.
Os
oponentes do Arsenal chegaram à final após quatro exaustivos jogos contra o
poderoso Liverpool. Muitos observadores neutros e comentaristas queriam uma
final entre Arsenal e Liverpool naquele ano e ficaram frustrados quando o
sorteio pôs os dois rivais da First Division frente a frente nas semifinais.
A final de
1980 foi a 99ª jogada no estádio de Wembley. Os Hammers chegaram à final em
cinco ocasiões, enquanto os seus ilustres vizinhos do Norte de Londres tinham
disputado as duas últimas finais e era um time formidável da First Division.
3. Pat Jennings tentando deter o avanço da bola, após cabeçada de Trevor Brooking que aparece sentado na foto (Getty Images)
|
Embora a
maioria dos torcedores dos Hammers aceitasse que o seu time era um tremendo
azarão, o capitão Billy Bonds pensava diferente: “Nós realmente não vamos para
o jogo pensando que somos azarões porque, embora sejamos um time da Second Division,
nós temos vários bons jogadores na equipe. Se você olhar para o time, muitos
deles se tornariam lendas no clube.”
Bonds tinha
um ponto de vista. Você podia enumerar os nomes: Trevor Brooking, Phil Parks,
Frank Lampard, Alvin Martin, Alan Devonshire e, é claro, o próprio Bonds. Os
fãs deveriam perguntar a si mesmos o que este time estava fazendo na Second Division.
Mas o
capitão de 32 anos do West Ham tinha razões para estar confiante. Bonds era um
jogador muito experiente e capitão do vitorioso time vencedor da FA Cup em 1975
e mais ou menos recuperado do seu longo período de contusões. Mas, apesar da
confiança do capitão em seu time, o time do Norte de Londres era o franco
favorito para todos naquele dia.
Fãs dos
Hammers chegando no estádio sem uma entrada não teria tido problema porque eles
poderiam encontrar um cambista amigo disposto a se separar da entrada do Setor
dos Hammers por razoáveis 30 libras.
Eles podiam,
então, se juntar aos torcedores de ambos os times se dirigindo para Wembley
cheios de expectativas. A área em torno da entrada do estádio era um mar das
cores grená e azul e o barulho daqueles já dentro do estádio contribuiu para a
crescente animação.
A véspera
do jogo passou num instante antes dos times, ambos em suas cores tradicionais, serem
conduzidos para o campo pelos seus respectivos treinadores, John Lyall e Terry
Neill.
4. Trevor Brooking comemorando o gol marcado no jogo (Getty Images) |
Antes do
pontapé inicial os dois capitães, Bonds e Pat Rice, apresentaram os seus times
para o Duque e a Duquesa de Kent, enquanto “eu estou sempre soprando bolhas”
era cantada ao redor do gramado afogando qualquer tentativa dos fãs do Arsenal
de serem ouvidos. Naquele momento, segundos antes das três da tarde, a
atmosfera estava eletrizante.
Então algo
muito estranho aconteceu. Uma imponente figura vagueou pelo gramado, carregando
meia dúzia de câmeras ao redor do pescoço e tomou o lugar à direita do gol do
setor da torcida do West Ham.
Para a
confusão absoluta dos torcedores rivais, os Hammers começaram a cantar
fervorosamente em alto e bom som: “Só existe um Stevie Bacon, um Stevie Bacon.”
Os fãs
estavam prestando o seu próprio tributo ao lendário cinegrafista, Steve Bacon,
que se tornou o fotógrafo oficial do clube. Bacon foi amado e respeitado em
Upton Park e o tributo dos fãs foi um gesto genuíno de admiração e gratidão por
um deles mesmos.
O jogo
começou com o Arsenal tendo maior posse da bola, com Brady controlando o jogo, mas
os Hammers tinham um plano de jogo e se recusaram a dar muita liberdade ao
grande irlandês em Wembley.
5. Trevor Brooking perseguindo Liam Brady durante o jogo (Getty Images) |
John Lyall havia
apostado ao escolher o jovem meio-campista Paul Allen em vez de outro jogador
mais experiente. Lyall, um hábil estrategista nos moldes de Greenwood, orientou
Allen, o jogador mais jovem a aparecer numa final de FA Cup, com 17 anos e 256
dias, a grudar em Brady e impedi-lo de ditar o ritmo do jogo.
O
adolescente e o perseverante Geoff Pike lutaram incansavelmente para
interromper a normalmente fácil troca de passes do Arsenal. Ao pressionar os
melhores jogadores do adversário, estas duas figuras anônimas deram aos dois
mais criativos meio-campistas dos Hammers, Devonshire e Brooking, diversas
oportunidades de contra-ataque.
Com
Allen mordendo os seus calcanhares Brady se tornou menos efetivo e então
ocorreu um milagre em grená e azul. Aos 12 minutos, com os Hammers forçados a
jogar no contra-ataque, Devonshire surgiu livre na ponta esquerda e fez um
cruzamento caprichoso em direção à região da marca do pênalti dos Gunners. A
bola caiu em direção do centroavante David “Psico” Cross, cujo chute à meia
altura foi defendido por Pat Jennings.
O
rebote caiu perto de Stuart Pearson, cujo chute ao gol resvalou num zagueiro do
Arsenal. Quem estava esperando era o astro dos Hammers e da Inglaterra, Trevor Brooking,
que se aproveitou e desviou a bola pra dentro das redes, de cabeça, quase caído
no chão. A celebrada defesa dos Gunners ficou impotente.
Sim, Brooking
marcou com uma cabeçada na final da FA Cup contra o Arsenal – um milagre, sem
dúvida – e o West Ham estava à frente no placar. Não precisava dizer nada, os
fãs dos Irons foram à loucura e não foi a última vez, naquela tarde de maio,
que o rugido dos Bubbles ecoou pelo estádio.
Brooking
deve ter saboreado o momento. Alguns dias antes da partida o treinador do
Nottingham Forest, Brian Clough, escolheu Brooking para suas críticas quando
ele insinuou que o elegante meio-campista parecia uma borboleta em campo: muito
delicado e pouco efetivo.
6. Brian Talbot protege a bola observado por David O'Leary, enquanto Stuart Pearson, dos Hammers, o persegue (Getty Images)
|
Clough
acusou o clube do leste londrino de estar mais interessado no glamour de
Wembley do que em ser promovido de volta à First Division, não que isso fosse uma
novidade do Velho Linguarudo. Mais tarde Clough se desculparia com Brooking
pela sua observação deselegante.
Uma vez
tendo assumido a liderança no placar conseguiriam os Hammers mantê-la? Os
Gunners dominaram os últimos trinta minutos do primeiro tempo, mas a defesa do
West Ham segurou firme, com Bonds e o excepcional goleiro Parkes.
Os melhores
esforços de Sunderland, Stapleton e Rix deram de frente com uma sólida defesa
em grená e azul. Os londrinos do leste chegaram ao intervalo com a defesa
invicta.
Durante o
intervalo os fãs dos Hammers especularam nervosamente sobre o que aconteceria
no segundo tempo. Ao longo do ano eles se tornaram calejados com a decepção,
mas pela evidência dos primeiros 45 minutos eles tinham o direito de acreditar
que os seus sonhos não se desvaneceriam e morreriam.
O segundo
tempo continuou no mesmo ritmo do primeiro, mas com uma encorajadora exceção.
Assim que Devonshire e Brooking cresceram em confiança, eles começaram a se
infiltrar na defesa do Arsenal.
A
retaguarda dos Hammers tocou o coração dos seus companheiros com intenção de
atacar, assim que eles entenderam que tudo o que o cansado Brady poderia fazer
seria contido por eles.
7. Trevor Brooking é perseguido por Brian Talbot (Getty Images) |
Com minutos
restando para o apito final, as hordas grená e azul começaram a se preparar
para a vitória. O seu time quase marcou um segundo gol, o que não teria dado
margem de dúvidas na final da FA Cup de 1980.
O jovem
Allen penetrou na defesa dos Gunners e com somente Pat Jennings a ser batido, ele
foi cínica e cruelmente derrubado por um impressionante carrinho de Willie
Young. Young permaneceu em campo e somente recebeu um cartão amarelo – a regra
do último homem da defesa ainda não havia sido introduzida.
Mas a
justiça foi feita quando o juiz apitou o fim do jogo minutos depois e os
exultantes torcedores dos Hammers puderam finalmente celebrar.
Billy Bonds
recebeu a taça da FA Cup do Duque de York. Ele virou para a esquerda e ergueu o
troféu alegremente para as vitoriosas legiões de fãs do West Ham abaixo. Desta
vez a sorte não abandonou os Hammers e os londrinos do leste puderam aproveitar
o seu momentâneo lugar ao sol.
Na verdade a
partida foi um jogo muito irritante e maçante – as finais de FA Cup
frequentemente se desenrolam dessa maneira, com ambos os times inibidos pelos
nervos e o medo de errar. Mas este pensamento negativo nunca passou pela mente
dos torcedores enquanto faziam o caminho de volta de Wembley.
Conforme
eles se aproximavam da estação de metrô, descendo para a plataforma subterrânea,
uma explosão espontânea de cantos irrompeu e continuou dentro da plataforma e
dentro dos trens em direção ao leste. Um por um todos torcedores cantaram o seu
tributo às lendas do passado do West Ham, com destaque dado ao santo Bobby
Moore.
8. Jogadores exibindo a taça para uma torcida ensandecida, da esquerda para direita: Billy Bonds, David Cross, Trevor Brooking e Frank Lampard (Getty Images)
|
No dia
seguinte o sol continuou a brilhar na procissão da vitória, que começou em
Stratford Broadway, atravessando a rua do pub de Bobby Moore, o Mooro’s.
A polícia
estimou que ao redor de 200.000 pessoas alinharam-se nas ruas do Leste de
Londres para mostrar o seu apreço e se juntar à diversão. O ônibus aberto do
time levou umas duas horas para cobrir a curta trajetória até o seu destino,
East Ham Town Hall.
Trevor Brooking
expressou os seus próprios sentimentos sobre a recepção ao time naquele domingo:
“a velha East End sabia como celebrar e as pessoas vieram dos hospitais ou com
seus bebês. A atmosfera estava fantástica naquele domingo porque uma vitória
como aquela contra o Arsenal era algo que o East End queria celebrar. Eu sempre
me lembrarei disto.”
Billy Bonds
mais tarde diria que ele não podia lembrar muito da celebração porque teve que
colocar o técnico do clube, Ernie Gregory, e o fisioterapeuta, Rob Jenkins, na
cama cedo porque eles beberam muito espumante direto da taça da FA Cup – e por
que não?
Com sua
típica generosidade, Bonds atribui a vitória ao seu treinador, John Lyall: “John
acertou sua estratégia em cheio. Ele puxou Stuart Pearson para o meio de campo
e deixou David Cross na frente e jogou com cinco no meio de campo com Geoff Pike
perseguindo todo mundo.”
Brooking
ecoou o tributo do seu capitão, reconhecendo a capacidade estratégica do
treinador: “John disse que o plano de jogo era ter a bola e então passá-la bem.
O time do West Ham sempre foi levado a passar a bola e John vestiu o manto de
Ron Greenwood e tinha a mesma filosofia de treinamento, a que nos conduziu de
volta ao topo na temporada seguinte.
9. Capa da revista Match com a cobertura da grande final |
Billy
Bonds, Allan Devonshire, Trevor Brooking, Frank Lampard, Alvin Martin e Phil
Parkes foram magníficos jogadores do West Ham que seriam incluídos na maioria
das escalações de onze jogadores de todos os tempos dos fãs.
Geoff Pike,
Ray Stewart e Paul Allen facilitaram o caminho deles a este reconhecimento. O
time de 1980 deve ser reconhecido como um dos melhores da história do clube,
conduzidos pelo seu mais bem-sucedido treinador, John Lyall.
A FA Cup de
1980 foi a última grande conquista do clube. Desde aqueles gloriosos dias os
Hammers têm sido assolados por problemas dentro e fora de campo.
Os anos 80
e 90 trouxeram um estádio muito melhorado, mas às custas de uma imensa dívida,
regime de obrigações, um desperdício dos mais excepcionais jovens jogadores por
uma geração, incompetência gerencial e farsas da diretoria além da imaginação
de Brian Rix – você não conseguiria imaginar. Somente os fãs têm permanecido
constantes em sua lealdade e inabalável apoio. Naquele dia de sábado, em maio
de 1980, eles mereceram o seu lugar ao sol.
10. Detalhe bordado da camisa da final (eBay) |
Ficha técnica:
West Ham 1 (Brooking) Arsenal 0
10 de maio
de 1980
Final da FA
Cup
Local:
Wembley Stadium
Público: 100.000
West
Ham: Phil Parkes, Ray Sterwart, Frank Lampard, Billy Bonds, Alvin Martin,
Alan Devonshire, Paul Allen, Stuart Person, David Cross, Trevor Brooking, Geoff
Pike.
Arsenal: Pat Jennings, Pat Rice, John
Devine (Sammy Nelson), Brian Talbolt, David O’Leary, Willie Young, Liam Brady,
Alan Sunderland, Frank Stapleton, David Price, Graham Rix. *
* West Ham’s 30 memorable matches - Philip Stevens ©.
11. Conjunto de Cards eternizando os heróis da conquista em 1980 (Nikolai Trading Cards) |
Tradução:
Sandro Pontes
Nenhum comentário:
Postar um comentário