sexta-feira, 5 de julho de 2019

Final da League Cup 1984 - Reds e Toffees unidos contra o Tatcherismo

Hora de conhecer a história da decisão da League Cup de 1984, que mobilizou toda a Liverpool em torno dos seus dois times, mas também contra o Tatcherismo.

O texto, extraído do livro I don’t know what it is, but I love it – Liverpool’s unforgettable 83-84 season, traz todas as nuances e o contexto histórico que cercou a partida e começa, para contextualizar na linha do tempo, logo após o Liverpool eliminar o Benfica nas quartas de final da Copa dos Campeões da Europa.

Apenas alguns breves esclarecimentos antes de liberar vocês para a leitura, como têm leitores de todas a idades aqui, muito provavelmente nem todos terão inteiro conhecimento sobre alguns personagens e expressões citados ao longo da matéria:

Cortina de Ferro: após a Segunda Guerra Mundial o mundo, grosso modo, ficou dividido entre capitalismo e comunismo.

Os países que eram alinhados à União Soviética (hoje basicamente a Rússia), na sua maioria situados no Leste Europeu, ficaram conhecidos como os países da Cortina de Ferro, ou seja, era a divisão entre a Europa Ocidental (países alinhados aos Estados Unidos) e Europa Oriental (países sob a influência soviética);

Margaret Tatcher: foi a Primeira Ministra do Reino Unido durante 11 anos (1979-1990), também conhecida como “A Dama de Ferro”, foi responsável por diversas inovações de cunho liberal naquele país durante a sua longa gestão;

Whitehall: é a administração pública britânica, portanto não se deve confundir com a Whitehall norte-americana ou simplesmente a Casa Branca (aqui no Brasil, muitas vezes para nos referirmos à gestão pública federal, nos referimos ao Planalto, lá acontece o mesmo);

Partido Trabalhista: é um partido social-democrata de matiz centro-esquerdista no Reino Unido.

Town Hall: é um importante edifício da cidade de Liverpool.

A “profecia” de Alan Kennedy, na última frase do texto, se refere ao patrocínio da cerveja dinamarquesa Carlsberg que viria à patrocinar os Reds anos mais tarde.

Feitos estes esclarecimentos é hora de passar à narrativa.

Boa leitura.

1. Capa do programa oficial da primeira final (Pinterest)


League Cup 1984, a improvável união de uma cidade  

Mal houve tempo para tomar fôlego: Lisboa na quarta-feira, casa na quinta-feira, o sorteio do adversário da semifinal da Copa dos Campeões da Europa na sexta-feira, viagem para o Sul no sábado e, então, uma final em Wembley no domingo.

Os outros três times no pote para as semifinais continentais do torneio mais famoso da Europa eram Roma, Dínamo Bucareste e Dundee United.

A opção menos atrativa seria uma viagem até a Romênia. Nas quatro temporadas anteriores o Liverpool tinha perdido três vezes para times da Cortina de Ferro. Dínamo Tbilisi, CSKA Sofia e Widzew Lódz, todos estes eliminaram o time de Merseyside da competição.

É claro que o Bucareste foi sorteado para jogar contra o Liverpool, com a primeira partida marcada para acontecer em Anfield. Pelo menos desta vez o adversário não era completamente desconhecido.

O time de Fagan os havia batido por 3 a 2 sete meses atrás na Espanha, mas não havia tempo para refletir sobre a aventura estrangeira, pois uma dificuldade local havia surgido.

O Everton estava sentindo um crescente otimismo sobre suas expectativas. “Nós estamos diminuindo a lacuna para eles o tempo todo,” Howard Kendall, o ex-jogador que retornou a Goodison Park como treinador em 1981, disse. “Acho que podemos desafiá-los. Parece que estamos ficando mais fortes, enquanto eles estão ficando mais fracos.”

2. Bruce Grobbelaar fotografado ao lado de uma peça de marketing do patrocinador da competição (Bob Thomas/Getty Images)

Uma das principais razões para o renascimento do Everton foi a chegada de Andy Gray, oriundo do Wolverhampton Wanderers, no começo da temporada, mas o robusto centroavante não pôde jogar as finais, pois já tinha disputado pelo seu clube anterior em outra fase da competição.

O forte atacante seria o tipo de jogador que colocaria pressão sobre Alan Hansen e Mark Lawrenson e cuja presença na área testaria a tomada de decisões de Bruce Grobbelaar quando saísse para interceptar os cruzamentos.

Kendall ainda estava otimista. Perguntado sobre a sua mensagem de pré-jogo para o time, ele disse: “O primeiro toque pode fazer um jogador crescer ou sumir em Wembley. Então estou dizendo que nós não devemos ter muito respeito pelo Liverpool. Se espera que eles vençam, mas esta é só uma partida e nós jogamos muito bem em nosso último encontro.”

O treinador do Everton também mandou uma mensagem para os fãs. “Eu acho que os nossos jogadores querem agradecer aos nossos torcedores mais do que os do Liverpool querem agradecer aos deles”, ele disse.

A atmosfera ao redor da cidade não poderia estar mais frenética.

Tudo parou pelo futebol. A final da League Cup levantou um grande problema para a Câmara Municipal, que já tinha bastante coisa para se preocupar.

Nas eleições locais de maio de 1983, o Partido Trabalhista ganhou as eleições e passou a controlar a cidade. O resultado foi muito contra as tendências políticas no Reino Unido.

A plataforma Trabalhista continha o compromisso de manter empregos e construir novas casas, apesar da política de Whitehall exigir grandes cortes em orçamentos regionais.

Os Trabalhistas tiveram uma vitória esmagadora e os Conselheiros (aqui no Brasil seria o equivalente a vereadores) estavam em rota de franca colisão com o regime de Tatchter.

3. Howard Kendall e Joe Fagan – esquerda para direita - liderando os seus times para o primeiro jogo entre eles numa final em Wembley (PA Images)

Na primavera de 1984 se tornou claro que a Câmara de Vereadores estava determinada a cumprir suas promessas eleitorais. Para fazer isso, eles teriam que gastar mais do que o aprovado no orçamento e, portanto, infringir a lei.

A equipe trabalhista alegou que muito dinheiro governamental havia sido retirado de Liverpool nos três últimos anos. Ambos os lados se entrincheiraram em suas posições, e o Guardian relatou que “o ar está pesado com conversas de rebelião, até mesmo revolução.” E então o futebol interrompeu a discussão.

O encontro crucial para discutir o orçamento foi marcado para 29 de março, acompanhado de uma imensa greve na cidade. Isto aconteceu quatro dias antes da final da League Cup.

Os políticos da cidade estavam envolvidos em longas e exaustivas conversas para evitar a crise, quando um problema ainda maior pairou sobre suas cabeças e desviou o foco do colapso fiscal. Negociações foram encerradas e coisas mais importantes atendidas.

“Foi a primeira vez que os dois clubes jogaram um contra o outro em Wembley e o plano de ambos os times era desfilar em ônibus aberto posteriormente”, disse Derek Hatton. Hatton, um torcedor do Everton, era o líder da câmara de vereadores, a face mais visível e um dos inimigos públicos do Tatcherismo.

Em Merseyside ele era um dos muitos com obsessão dupla. “Futebol e política estava em todos os lugares naquele tempo”, ele disse. Em todo pub havia um expert que poderia solucionar o problema das finanças da cidade e outros que podiam deixar os clubes de futebol em forma.” O axioma falacioso de Shankly de que o esporte era uma questão mais importante do que questões de vida ou morte. Não é, mas certamente superou a política.

“Nós estávamos tendo imensas batalhas pela aprovação do orçamento e Londres estava ameaçando suspender a Câmara Municipal e mandar um interventor, e a imprensa estava gritando por sangue”, Hatton continuou. “Então nós tínhamos uma crise real. A questão era: quem deveria vir na frente no desfile de ônibus aberto?”

“Nós pensamos que os vencedores poderiam ir no ônibus da frente e os perdedores viriam atrás. Então Howard Kendall disse para mim: “Se vocês pensam que vamos ficar atrás destes vermelhos bastardos se perdermos, vão se foder!” Ele não estava arredando o pé um centímetro sequer!”

4. Os times de Merseyside posando juntos para a foto da competição em Wembley (Getty Images)

“Então agora nós tínhamos que convencer os torcedores do Liverpool na Câmara a usar sua influência em Anfield para eles não transformarem este exagero num sério incidente diplomático. Em meio à batalha pelo orçamento com a sua enorme turbulência econômica, o item mais importante da agenda era o futebol. Você não iria querer subestimar o poder do jogo.”

Uma olhada aos arredores da cidade confirmava o ponto de vista de Hatton. Casas em todos os lugares decoradas com bandeiras vermelhas ou azuis. Famílias divididas, e havia muitas, que tinham ambas bandeiras.

Uma recepção em Town Hall para celebrar a ocasião resumiu a situação. Hugh Dalton, o presidente da Câmara de Vereadores, disse: “Estamos enfrentando muitas dificuldades, especialmente sobre o desemprego; então é um grande prazer ser capaz de prestar um tributo ao prestígio e a honra que os nossos clubes nos trouxeram”. Um compromisso foi alcançado. Os times deveriam se misturar nos ônibus de regresso.

Negociações com o governo não estão destinadas a se resolverem tão facilmente.

Lealdades futebolísticas reconhecidamente dividiram famílias em Merseyside, mas o outro lado da equação é que isso uniu os fãs. Os trens e ônibus indo para o Sul naquele último sábado de março não eram vermelhos ou azuis, mas uma mistura.

Eles deixaram uma cidade vazia atrás deles e aqueles que permaneceram ficaram se lamentando por não terem ido ao Sul testemunhar o evento histórico. Eles invadiram Londres, entrelaçados e entremeados. Segregação não era a questão.

Junto com o orgulho, os milhares de Scousers trouxeram os seus ideais políticos para o Sul. Nos trens, jovens distribuíam distintivos, em vermelho ou azul, com os dizeres “Eu apoio a Câmara Municipal de Liverpool.”

Chapéus para esquiar eram a moda naqueles dias e quase todos estavam enfeitados com esses adesivos e cânticos de “Merseyside” eram intercalados com “Derek Hatton, nós o apoiaremos cada vez mais” e “Maggie, Maggie, Maggie! Fora, fora, fora!”

5. John Bailey e  Alan Kennedy fotografados juntos após o apito final em Wembley (Getty Images)

Enquanto os fãs bebiam na West End vazia e cantavam as suas canções por muito tempo na noite, os jogadores do Liverpool estavam em suas camas dormindo no West Lodge Park Hotel em Hertfordshire.

Então o espírito de camaradagem foi testado. “Lá pelas quatro e meia da manhã eu fui acordado por alguém cantando “Everton, Everton, Everton”, Souness disse. “Muitos dos outros rapazes já estavam acordados e Alan Kennedy perseguiu o culpado até o elevador.”

O intruso teve sorte que era Kennedy. A falta de ritmo do lateral esquerdo falou alto novamente. Pelo menos esta foi a piada na mesa do café da manhã. Foi um grupo descontraído que se dirigiu a Wembley para o Derby mais esperado da história.

Estava chovendo e isto se ajustava melhor ao jogo do Everton. Tempo firme e gramado perfeito, eles acreditavam, combinava melhor com o estilo do Liverpool. “Eu analisei todas as finais de copas em Wembley e pensei que esta seria absolutamente quente”, disse Neville Southall. “Mas começou a chover bastante e eu fiquei feliz com aquilo”.

No frio e no molhado, o Everton se lançou ao ataque cedo e o momento decisivo do jogo veio logo aos seis minutos. Graeme Sharp, invariavelmente bem-sucedido no alto contra a defesa do Liverpool, cabeceou a bola para Adrian Heath e o pequeno atacante teve uma oportunidade contra Grobbelaar.

Heath quase caído na entrada da área conseguiu chutar a bola à meia altura para vencer o goleiro que saía para abafar a jogada, mas Alan Hansen, que corria por fora, conseguiu impedir o gol interceptando a bola já próxima à linha do gol.

A interceptação da jogada pareceu envolver muito do joelho e até um pouco de mão. O estádio inteiro pensou que havia sido pênalti. Mas Alan Robinson, o árbitro, acenou para o jogo continuar.

Sete anos antes, o Everton perdeu uma semifinal de FA Cup quando o ábitro Clive Thomas invalidou um gol no fim do jogo de Bryan Hamilton em Maine Road que os teria dado a vitória de 3 a 2 sobre os seus vizinhos. Thomas se tornou uma mítica figura de ódio nas lendas do Everton. Agora Robinson se juntou a ele na lista negra de juízes odiados em Goodison.

6. Capa do programa oficial do replay (Pinterest)

Alan Hansen está inflexível de que não foi pênalti. “Nunca que isso foi um pênalti”, ele disse. “A bola ricocheteou no meu joelho e embora tenha pegado na minha mão, nunca foi intencional.”

Kendall, como a maioria no campo e a audiência televisiva, viu de maneira diferente. “Está claro que foi mão na bola. Quem sabe? Se nós tivéssemos saído com um gol na frente, poderíamos ter ganho a partida.”

De todo modo a partida definhou num empate de 0 a 0 e em meio a recriminações sobre a fraca performance do Liverpool na partida. “Nós conseguimos o que planejamos até o intervalo” Souness disse. “Joe disse que parecia que somente dois ou três de nós queria jogar.”

Craig Johnston foi um dos que queria jogar e quando ele viu que seria substituído por Michael Robinson no intervalo antes da prorrogação, a frustração que sempre tinha ameaçado explodir há seis dias desde a contratação de John Wark finalmente veio à tona.

“Agora é a sua chance de colocar o Warky pra jogar”, ele disse, irônico, a Fagan. Wark estava impedido de jogar esta partida por já haver participado da competição pelo seu time anterior, mas estava apto para as partidas da Liga. Esta insubordinação foi demais para o treinador do Liverpool.

Smookin’ Joe explodiu: “Você pensa que o jogo gira em torno de você, filho?”, ele perguntou “Prossiga, caia fora! Agora!”

“Eu estava suplicando para Joe não me tirar da partida”, Johnston disse. “Eu estava em melhor forma física que qualquer um. Quanto mais jogássemos mais chances teríamos. Eu não conseguia entender aquela lógica!”

A explosão foi parte de uma questão mais ampla que Johnston lutou constantemente. “Eu não era naturalmente o mais talentoso, então eu sentia que tinha que me impor em cada partida que jogasse”, ele disse. “É como se fosse sempre o meu último jogo. Isto me deixou mais nervoso e instável que o resto do time”.

7. Ingresso da partida em Maine Road (Site LFC History)

Esta foi a última nota amarga daquela tarde. Ambos os times tinham alguma coisa a levar do empate – o Liverpool teve dois gols invalidados para combater as alegações do pênalti do Everton – e os jogadores e torcedores se juntaram para expressar uma rara unidade no jogo.

John Bailey, um dos três Scousers no time do Everton, considerou o resultado emocionante. “Eu me lembro de correr ao lado de Alan Kennedy”, ele disse. “Nós amarramos os nossos cachecóis, azul e vermelho, juntos. Isto ainda me dá um nó na garganta!”

Esta foi uma resposta muito diferente ao costumeiro jeito do Liverpool. Normalmente, após um desapontador empate o time manteria comportamento discreto e não arriscaria a despertar a ira no Bootroom por confraternizar com o adversário e comemorar ao redor do gramado. O sentimento de unidade pegou a todos, contudo.

“Aquele dia foi diferente”, disse Kenny Dalglish. “Foi especial. O jogo pode não ter sido, mas a atmosfera e os fãs estavam diferentes. Foi uma celebração para a cidade. Nós estávamos prontos para jogar um contra o outro novamente no replay. Mas aquele momento foi algo especial. Num momento em que todos viam os torcedores como hooligans ou como animais violentos que não poderiam se misturar, o mundo podia ver que isto poderia ser diferente.”

Bailey concorda: “De correr em volta do estádio e ver todos juntos, todos em cores diferentes, minha família em cores diferentes, estranhos de todo o país, torcedores diferentes, grupos juntos, sorrindo, vivendo tempos felizes. Você sai e pensa: “É assim que todo jogo deveria ser. Por que tem que ser segregado? Por que não misturar?” Eu desejo que pudéssemos ter um grande estádio. Nós poderíamos enchê-lo com 200.000 Merseysiders.

Até Fagan estava memoravelmente fleumático. “É claro que eu teria preferido ganhar a partida, mas, no fim, quando eu olhei ao redor e escutei os fãs cantando “Merseyside! Merseyside!”, eu pensei “Pelo menos todos eles voltarão felizes para casa.”

Em última análise, o treinador culpou o esforço do meio da semana. “Nós não jogamos particularmente bem, sem brilho, sem gana, metódicos demais nos pensamentos e ações. Parece que ainda tínhamos o Benfica à mente. Nós tentamos jogar da mesma maneira que jogamos lá, como um jogo de damas. Mas não existe outra maneira de se fazer no futebol inglês. Nós estivemos desligados e isso poderia ter nos custado o jogo. O futebol inglês gira em torno da paixão e do orgulho e nós não mostramos nada disso no primeiro tempo”.

O Guardian concordou com a análise de Fagan. “O Liverpool aproveitará a oportunidade de uma segunda chance porque o Everton não teve forças para liquidar a partida”.

8. Capa do caderno especial da revista Shoot sobre o replay da League Cup (Pinterest)

Pelo menos houve um vencedor naquele domingo. Ian Rush ganhou o prêmio de Jogador do Ano da Associação Profissional de Jogadores, uma honra que Dalglish havia recebido na temporada anterior.

Esta longa campanha da League Cup já tinha doze jogos e havia passado por Wembley. Agora ela se moveria para Maine Road para o replay. Ainda haveria muito trabalho e o prêmio de £64.000 pela conquista do troféu estava em disputa. Este seria outro jogo de meio de semana e significava que o time não teria descanso.

Dois derbies já são muito desgastantes para uma temporada, o que se diria de quatro, então!? E com a esperada temperatura em Manchester ser mais sombria que em Wembley e o campo do City estar desgastado e pantanoso após um longo inverno, esta era uma briga de cachorro que o Liverpool poderia ter evitado.

Na quarta-feira toda a emoção de um Merseyside unido tinha ido embora. Tudo se resumia numa partida para ser vencida. Fagan, que nunca foi de guardar ressentimento quando se havia uma partida em disputa, selecionou o mesmo time que começou o jogo em Wembley, inclusive Johnston.

Poderia ter sido fácil substituir o australiano por Steve Nicol, mas o treinador estava somente preocupado em escolher o time certo.

Para o jovem Nicol foi desapontador perder a final, mas o escocês tinha entrado no passo do Liverpool de uma maneira que Johnston não havia conseguido. “Ainda era um estágio de afirmação própria,” ele disse. “Eu apenas aceitei a decisão de Joe. Eu não queria ser considerado um esquentadinho. Se você o fosse, poderia ser eliminado. Isto não precisaria ser levado adiante”.

A atitude “pés no chão” dele iria conservá-lo em um bom lugar. Mas, por agora, ele veria o jogo das arquibancadas como o mais feroz dos derbies que teve lugar no barrento Maine Road.

“O replay realmente foi duro”, Alan Kennedy disse. “Ele foi jogado numa noite sombria. Ela foi feita para o estilo deles, tanto que tiveram as melhores chances”.

9. Graeme Souness, braços erguidos, comemorando o gol que deu o título aos Reds (Getty Images)

Souness levou ao grupo os comentários de Fagan após o primeiro jogo. Não haveria mesquinharia numa noite do Norte e o capitão combateu força com força. Após 21 minutos ele recebeu bola de Dalglish pelo meio, próximo a área, girou em cima do seu marcador e bateu forte com o pé esquerdo uma bola que venceu Southall. O Liverpool tinha a liderança da partida e, naquele momento de certa forma, o título estava bem encaminhado.

“Pareceu como se tivéssemos quebrado a resistência deles durante algum tempo”, disse Kennedy.

O intervalo deu aos times a chance de se reagrupar. No vestiário vermelho, Souness mostrou o seu melhor.  “Ele costumava ir a cada jogador,” disse Rush, “punhos cerrados, nos guiando, dizendo para nós que o jogo estava lá para ser vencido. Ele bombava adrenalina em você. Nós costumávamos sair do vestiário pensando que não perderíamos para ninguém. Aquela era a psicologia de Souness.”

Do outro lado do corredor, o treinador do Everton estava usando os seus próprios jogos mentais. “Você sabia o que o Kendall estaria falando para eles,” Kennedy disse. Ele estava dizendo: “Entrem forte nos bastardos! Eles não gostam disso! Deixem a batalha mais dura! Transforme-nos em sucata!” O clima parecia o de um pub naquele segundo tempo”, completou o jogador.

Daí em diante se tornou um jogo mais duro ainda. Foi a sobrevivência do mais forte. O gol de Sounness – e sua performance – foi a diferença entre os dois times.

“Muitas pessoas pensaram que podiam ser ásperos conosco,” disse Hansen. “Mas nós podíamos lidar com o melhor que eles poderiam oferecer. Realmente foi sangue e luta”.

Fagan estava estático ao ganhar o seu primeiro troféu. “Bem, os rapazes fizeram isto”, ele escreveu em seu diário. “E fizeram muito bem feito. O homem da partida marcou o gol e vão falar que ele não jogou bem? Mas não vamos tirar nada dos outros dez – cada um mereceu sua medalha pelo seu comprometimento e atitude”.

Houve certo alívio no vestiário, também. “Nós provavelmente não merecemos vencer, realmente,” disse Kennedy. “Todos nós dissemos mais tarde, “diabos!” Nós fomos sortudos ali! “Nós ficamos felizes com o resultado, não com a performance.”

10. Ian Rush, Alan Hansen e Bruce Grobbelaar celebrando a vitória que deu o título da competição na segunda partida, tomando leite - Milk Cup (Getty Images)

Ganhar a League Cup causou um grande impacto no treinador. Desde que ele tinha assumido o cargo – relutantemente – havia um elemento de dúvida na sua mente que se resumia em saber se ele poderia igualar as conquistas de Shankly e Paisley.

A League Cup havia sido uma conquista difícil. Ela foi ganha com garra e coragem mais do que com classe e habilidade. Até agora ela está situada na sala de troféus de Anfield e Fagan poderia ter pelos menos uma horaria em seu nome. Aos 62 anos, ele tinha alcançado a sua primeira façanha.

“Aquilo realmente diminuiu a pressão sobre ele e você podia perceber claramente a mudança nele após o título,” disse Grobbelaar. “Foi um imenso peso que lhe fora tirado das costas. Qualquer homem estaria ansioso em seguir os passos de Bob Paisley e Joe, embora nunca tenha demonstrado isso, não era diferente. Ganhar a Milk Cup deu a todos a crença de que ele conseguiria.”

O time celebrou a vitória a maior parte da noite. “Sem leite para nós”, disse Kennedy. “Nós deveríamos ser patrocinados por uma cerveja.” Proféticas palavras. *

* I don’t know what it is, but I love it, Liverpool’s unforgettable 83-84 season - Tony Evans – p. 150-158."


11. Margaret Thatcher, inimiga pública número um de Liverpool, e o Primeiro Ministo canadense Pierre Trudeau, em foto de 8 de junho de 1984 (Getty Images)

Tradução: Sandro Pontes

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