No ano 2000, a extinta revista de futebol inglesa, “Total
Football” produziu uma matéria muito interessante chamada Noites Gloriosas
(Glory Nights), onde ela contava detalhes de importantes times britânicos
contra adversários qualificados nos, então, 45 anos de torneios europeus.
Seis partidas mereceram destaque: Celtic versus Leeds United, em
1970; Liverpool versus Saint Ettiene, em 1977; Nottigham Forest versus Colônia,
em 1979, Everton versus Bayern Munich, em 1985; Newcastle versus
Barcelona, em 1996; e Manchester United versus Juventus, em 1999.
E é este material que, a partir de agora, traremos a vocês e o
escolhido para iniciar a série é o embate entre o Everton e o Bayern, pela
semifinal da European Cup Winners' Cup de 1985 (aqui no Brasil
ficou conhecida como Recopa).
Uma partida que misturou raça, sangue e superação em Goodison
Park, sem sombra de dúvidas a partida internacional mais importante da história
dos Toffees.
Mais importante mesmo que a final, pois o adversário desta
partida semifinal era o poderoso Bayern Munich, nesta altura da história já
tricampeão da European Cup (atual Champions League).
E quem conta os detalhes deste jogo é um dos heróis daquela
noite, o centroavante Andy Gray.
Boa
leitura.
1. Capa do programa oficial da partida (eBay) |
Andy Gray, centroavante do Everton sabia, sem sombras de dúvida, que o Everton bateria o Bayern Munich 10 minutos depois que a partida começou, quando Peter Reid recebeu uma dura entrada de um alemão que o deixou com uma ferida aberta na canela.
Gray relembra: “o treinador chegou e disse que Reid tinha que
sair e cuidar do ferimento”. Reid só disse: “Foda-se, você tem algodão?” Então
ele encheu a mão de algodão, cobriu a ferida em sua perna, colocou sua meia de
volta e retornou ao jogo. Eu olhei espantado para ele e pensei “não tem jeito
da gente perder este jogo!”
Ao fim do jogo ele tinha uma meia branca e outra vermelha,
encharcada com o seu próprio sangue.
Foi esse o tipo de noite. Até parecia predeterminado que o
Everton avançaria para a final da European Cup Winners' Cup, mesmo
depois de Dieter Hoeness marcar um pouco antes do intervalo.
2. Peter Reid e o machucado que não o impediu de prosseguir na batalha (Bob Thomas sports Photography/Getty Images) |
A primeira partida, no Estádio Olímpico de Munique, havia
terminado empatada em 0 a 0 e o Everton, então, precisava de dois gols para
passar à final. Mas Gray insiste que o resultado nunca esteve em dúvida.
Ele disse: “Nós entramos no vestiário no intervalo um pouquinho
chateados, porque nós os pressionamos durante os 45 minutos, mas estávamos
perdendo por um gol. Mas, por milagre, Howard Kendall teve o seu melhor momento
como treinador ali".
"Ele simplesmente olhou para nós e disse calmamente: “Há,
pelo menos, uns 50.000 torcedores do Everton lá fora. Eles sabem que vocês irão
vencer! Eu sei que vocês irão vencer! Vocês sabem que irão vencer! Então vão lá
e vençam! Ponham as bolas pra fora em Gwladys Street e eles irão chupá-las!” E
eles chuparam.
Graeme Sharp marcou o gol de empate, quando Gray raspou na bola
de cabeça numa cobrança de lateral forte direto pra área feita por Gary Stevens que acabou sobrando para o seu colega escocês marcar.
Então Sharp ajudou o Everton novamente em outra cobrança de
lateral diretamente para a área de Stevens, ele completou para as redes após
falha de Pfaff que viu a bola escapar por entre os dedos no alto.
Um dos seus raros gols de pé direito que deu a liderança do
placar ao Everton.
Trevor Stevens selou o destino da partida com um terceiro
tento nos minutos finais da partida.
3. Andy Gray, o homem da partida, comemorando o seu gol marcado no jogo (Getty Images) |
Gray disse: “por 45 minutos nós os dominamos absolutamente. Não
através de pontapés, mas usando a nossa superioridade física. Nós os
intimidamos e não é sempre que você pode afirmar isso sobre um time alemão.
Você tinha todos estes grandes jogadores alemães, experientes internacionalmente
e eles não conseguiram lidar com isso. Eles queriam sair de campo”.
Eles diziam “Tirem-nos daqui, tirem-nos daqui!” Foi
inacreditável! Aquilo nos deu muita satisfação! O Bayern era o campeão alemão,
e fazia parte da suposta elite da Europa. Nós éramos reconhecidos como um bando
de esfarrapados. Jogadores como eu, Reidy e Kevin Ratcliffe; bons rapazes
tentando fazer bem o seu jogo, mas você tinha a sensação que o Bayern nos
olhava de cima para baixo”.
“Eles ficaram totalmente chocados com o resultado. Eu lembro de
estar no túnel após o jogo e Elton Welsby me pegou para uma entrevista de TV.
Eu vi o treinador do Bayern, Uli Hoeness, esperando por mim e eu pensei que ele
queria me cumprimentar. Mas ele se aproximou de mim, de rosto lívido, e disse:
“Isso não foi futebol! Você é louco! Completamente maluco!”
“Tenho medo de ter jurado que sim em resposta”, completa Gray.
Este foi, talvez, o ápice de uma era dourada em Goodison Park: a FA Cup foi ganha em maio de 1984 e os Blues levaram o título do campeonato na
temporada seguinte, ganhando-o na quinzena seguinte ao jogo com o Bayern
Munich com uma vitória de 2 a 0 sobre o Queen’s Park Rangers em casa.
4. Gary Stevens é cercado por quatro alemães durante a partida (Bob Thomas sports Photography/Getty Images) |
Gray disse: “aquela noite pareceu ser o ponto alto de uma
construção de dois anos. Eu me lembro do aquecimento antes do jogo, parecia
haver algo de especial no ar. Como se tudo fosse dar certo para nós naquela
noite. E foi assim exatamente que aconteceu. Havia uma aura ao redor disso que
eu nunca mais vivenciei antes ou depois”.
Comparado ao drama do jogo com o Bayern, a final em Rotterdam,
contra o Rapid Viena, foi um domingo de passeio no parque.
Os Blues ganharam de 3 a 1 com gols de Gray, Steven e Kevin
Sheedy. Qualquer motivação extra que Gray e Sharp pudessem precisar surgiu
quando o Rapid trotou para o campo com o seu uniforme verde e branco. Gray
virou-se para o seu companheiro, e torcedor dos Rangers, Sharp e brincou:
“Graeme, olhe para as cores que eles estão vestindo! Nós não podemos perder
para eles!”
Mas a Copa já havia sido ganha – numa noite maluca e heroica, em
Liverpool, no mês passado.
5. Trevor Steven chuta a bola contra a defesa bávara (Getty Images) |
Ficha
técnica:
Everton
3 (Sharp, Gray e Steven) Bayern Munique 1 (Hoeness)
Local: Goodison Park
Data: 24 de abril de 1985
Segunda partida da semifinal da
Público: 49.782
Everton:
Southall, Stevens, Van De Hauwe, Ratcliffe, Mountfield, Reid, Steven, Sharp,
Gray, Bracewell e Sheedy.
Bayern Munich: Pfaff, Dremmier, Wilmer, Eder, Augenthaler, Lerby, Pfluger,
Matthäus, Hoeness, Nachtweih e Kogl.
Homem
da partida: Andy Gray
Repercussões:
“Se
eu levar a memória de um jogo para o túmulo, este seria um deles. Foi a maior
noite de futebol em que eu já estive envolvido”. Andy Gray
“Andy
Gray deveria estar jogando rugby, não futebol!” Uli Hoeness, o chocado
treinador do Bayern Munich. *
*
Por Alex Murphy ©, Revista Total Football (2000).
6. Andy Gray comemorando a passagem dos Toffes para a final (PA Images) |
Tradução:
Sandro Pontes
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