Aston Villa 2
Santos 1 – Amistoso 1972
O Villa, no
começo dos anos 1970s conseguiu o que muitos times desejavam na época: levar o
Santos Futebol Clube de Pelé para jogar no Villa Park.
O grande
Santos de Pelé sempre era requisitado para amistosos no mundo inteiro e, onde
quer que fosse, especialmente por conta do Rei do Futebol, sempre foram o
centro das atenções.
E não foi
diferente neste amistoso com Aston Villa disputado em fevereiro de 1972 em
Birmingham.
Mas, antes
da bola rolar, aconteceram muitas coisas que quase impedem o jogo de acontecer,
bem como durante o jogo também houveram alguns fatos inusitados.
Descubram
maiores detalhes e bastidores do jogo ao ler o ótimo texto abaixo.
Boa leitura.
1. Programa oficial da partida autografado por Pelé (eBay) |
A temporada
de 1970-71, tendo perdido para os Spurs numa dura batalha pela League Cup e
tendo deixado escapar a subida à Second Division por pouco, foi um tipo de
experiência “quase lá” tanto para jogadores quanto para torcedores.
Isso
significava que o Villa encararia uma segunda temporada consecutiva labutando
no terceiro nível do futebol inglês.
O Villa
começou a campanha de 1971-72 muito bem e em fevereiro estava confortavelmente
posicionado na tabela de classificação e olhando adiante, pensando seriamente
no acesso à Second Division.
Além disso
o gerente comercial do clube, Eric Woodward, tinha arranjado alguns amistosos
muito empolgantes e bem-sucedidos perante o público, no Villa Park contra times
como o gigante alemão Bayern de Munique e o time polonês do Gornick Zabrze.
O próximo
na agenda de Woodward era o Santos do Brasil apresentando o, muito
provavelmente, melhor jogador no mundo naqueles tempos, Edson Arantes do
Nascimento ou simplesmente, como ele é conhecido em todo canto do planeta,
Pelé.
Como
Woodward conseguiu atrair tão requisitados oponentes para o Villa Park é uma
façanha por si só, mas o fato de como esta partida conseguiu ser realizada foi
um pequeno milagre.
2. Verso do programa com anotações sobre as escalações das duas equipes (Twitter Old Football) |
1972 foi ano
da greve nacional dos mineradores, que começou em 9 de janeiro e se estendeu
por sete semanas.
A partir de
5 de fevereiro as fábricas começaram a dispensar trabalhadores por causa da
falta de energia e a estação de rádio local da BBC estava alertando sobre
cortes de energia residenciais.
Esta
situação levou o Governo Conservador a declarar estado de emergência e, para
economizar eletricidade, eles introduziram a semana de três dias trabalhados.
Um
resultado direto desta situação foi o início das partidas de futebol mais cedo,
incluindo os jogos de meio de semana a fim de economizar energia.
Isto deixou
o Villa, de acordo com relatos da imprensa na época, que já tinha concordado em
pagar ao Santos em torno de £13.000 para jogar a partida, numa situação muito
difícil.
Pareciam
haver três opções.
Em primeiro
lugar, eles podiam mudar o horário do início da partida para a tarde de
segunda-feira, entretanto isso consideravelmente reduziria a presença do
público.
3. Pelé e o time do Villa entrando em campo (Pinterest) |
Outra opção
seria cancelar o jogo o que era visto como totalmente fora de questão.
A terceira
possibilidade era procurar um gerador para garantir o funcionamento dos
refletores e das luzes de emergência.
Esta última
opção seria, por razões óbvias, muito difícil de se fazer.
Após muitas
reuniões e discussões extraoficiais foi decidido que o show deveria continuar
como originalmente planejado e, então, o presidente Doug Ellis embarcou numa
desafiadora missão de procurar um gerador.
Após muita
procura em toda Europa ele finalmente localizou um na Holanda pelo qual o clube
pagou £5.000, contudo só uma parte do problema estava resolvido.
O próximo
desafio era como importar o gerador para o Reino Unido e então para Birmingham
sem atrair a atenção dos piquetes, que fariam o seu melhor para impedir o seu
avanço.
4. Os capitães de Villa e Santos, Bruce Rioch e Oberdan, trocam flâmulas e cumprimentos diante do árbitro Jack Taylor que se encontra à direita (Getty Images) |
Como isso
foi conseguido nunca foi devidamente explicado, mas é suficiente dizer que o
dito gerador chegou no estacionamento do Villa Park embalado em diversas
caixas.
A próxima
tarefa era remontar a máquina e testá-la. Felizmente, após o enorme trabalho,
ele funcionou de acordo com o plano e o jogo estava em pé!
Enquanto
isso Pelé e o time do Santos viajaram para Paris e voariam à Birmingham no dia
seguinte e depois para o seu hotel.
Então em
uma tarde fria de domingo os brasileiros foram recepcionados em Birmingham por
um público animado no Hotel Albany localizado no centro da cidade.
Durante a
subsequente coletiva de imprensa Pelé fez muitos amigos ao elogiar o Aston
Villa desta maneira: “Eu sei que eles estão na Third Division, mas em meu país
eles ainda são grandes!”
Vic Crowe,
que também foi entrevistado no evento disse sobre Pelé: “Eu joguei contra ele
três vezes e isto é o mais próximo que eu já estive dele.”
5. Pat McMahon abriu o placar para o Villa (Pinterest)
Enquanto isso, Jimmy Brown, o jovem e empolgante meio-campista do Aston Villa, estava tentando desesperadamente pegar um voo de volta da Islândia onde ele havia jogado pela fase classificatória da Copa do Mundo Juvenil pela Escócia.
A razão da
sua ansiedade era porque ele queria estar de volta em Birmingham a tempo para o
jogo do Santos.
Jimmy conta
sua história: “Eu liguei para Vic (Crowe) e perguntei se eu poderia jogar
contra o Santos se voltasse da Islândia em tempo. Eu disse a ele que se eu
jogasse poderia marcar o Pelé durante o jogo”.
De acordo
com Jimmy, Vic não estava feliz com o pedido e explicou a ele de uma maneira
não muito segura que queria que Pelé tivesse alguma liberdade para poder
entreter o público.
Tendo em
conta este comentário de Vic é fácil de entender porque Jimmy não foi
selecionando para jogar, embora tenha conseguido voltar em meio a um horrível
congestionamento em Birmingham, causado pela grande multidão tentando chegar no
Villa Park e chegou ao campo com menos de dez minutos para o início do jogo.
Nesse meio
tempo o gerador apresentou problemas.
6. Ray Graydon ampliou a vantagem do Villa em cobrança de pênalti (Getty Images) |
Parecia que
ele era potente para gerar energia para três dos quatro refletores e o jogo
ainda corria o risco de ser cancelado.
Felizmente
após acaloradas negociações com os dirigentes do Santos, que incluíam Pelé, foi
decidido que se jogaria com a iluminação deste jeito, mesmo.
Isto
significava que haveria somente um refletor funcionando no setor Witton End do
campo.
De volta ao
vestiário do Villa, Neil Roch, um substituto não utilizado no jogo, lembra que
atmosfera estava ficando eletrizante (sem nenhum trocadilho) similar a um
grande jogo da FA Cup.
Ele
explicou: “Como profissional você sonha em jogar contra os grandes jogadores e
não poderia haver nada melhor do que jogar contra o Santos naqueles tempos.
“O Brasil
havia ganho a Copa do Mundo no México e os jogadores que jogavam naquela época
todos concordam que aquela seleção nacional foi o maior time de futebol que já
tinham visto e alguns deles estavam jogando contra nós no Villa Park”,
complementa Rioch.
7. O treinador Vic Crowe em foto de 23 de agosto de 1971 (Getty Images) |
Ray
Graydon, que estava em sua primeira temporada pelo Aston Villa, ecoa as
memórias de Neil: “Eu era somente uma criança e estava aguardando para jogar
contra Pelé e todos aqueles brasileiros de categoria internacional. A coisa
toda foi como se estivesse no topo do mundo para mim – algo de enorme
importância”.
Com a
questão dos refletores resolvida, surgiram mais problemas. Evidentemente que os
dirigentes do Santos estavam descontentes e salientaram que, com um público de
quase 55.000 pessoas no estádio, o cachê acordado anteriormente não era mais
apropriado.
Por essa
razão eles insistiram em renegociar o acordo.
Jimmy Brown
lembra disso claramente, pois ele estava parado no túnel próximo de onde as
discussões aconteceram: “O Santos disse que não poderiam ir a campo a não ser
que eles recebessem mais £10.000 e o Villa teve que pagar”, comentou Jimmy.
Outros
relatos sugerem que a não ser que o cachê pela aparição do Santos fosse
aumentado para refletir a presença do público, o jogo ainda poderia prosseguir,
mas Pelé não jogaria.
Seja qual
for a verdade neste embate, o jogo finalmente aconteceu, Pelé jogou e o Villa
atacou para o pouco iluminado lado do Witton End no primeiro tempo.
O time da
casa começou com esta equipe: Cumbes, Wright, Aitken; Rioch B., Curtis,
Tindall; Graydon, McMahon, Locchead, Hamilton e Martin. Substitutos: Lynch,
Tiler, Hoban, Rioch N. e Hughes.
8. Crianças tentando abraçar Pelé no Villa Park após o término do jogo (Twitter Aston Villa) |
Desde o
apito inicial estava claro que o Villa levaria o jogo muito a sério.
Nesse
aspecto eles marcaram o Santos muito firme e deram poucas oportunidades para os
brasileiros jogarem o seu jogo de exibição. Como Charlie Aitken relembra: “Os
brasileiros certamente perceberam que estavam num jogo sério”.
Conforme o
jogo se desenrolava, Ray Graydon constatou que havia batido o lateral esquerdo
e lembra claramente: “Eu passei pelo lateral mais vezes naquele jogo do que eu
havia feito em qualquer outro jogo em minha vida... eu estava surpreso e pensei:
‘bem, isto era magnífico’!”
Foi de um
escanteio cobrado por Ray, seguido de um dos seus muito ataques pela ponta
direita que resultou no primeiro gol do jogo.
O
cruzamento de Ray foi desviado da sua trajetória por uma casquinha de Charlie
Aitken e encontrou o desmarcado Pat McMahon que empurrou a bola fora do alcance
do goleiro no alto da rede.
O público
foi à loucura e, aparentemente, sua celebração podia ser ouvida no centro de
Birmingham.
9. Pelé acenando para o público antes de se retirar do campo (Pinterest) |
O Aston
Villa continuava a pressionar, mas conforme o primeiro tempo ia passando, Pelé
entrou mais no jogo e finalmente começou a exibir sua categoria.
De acordo
com relatos contemporâneos da imprensa, alguns dos seus passes com a parte
interna ou externa de ambos os pés desafiavam a lógica.
O
Birmingham Post se entusiasmou: “conforme o primeiro tempo passava, ele correu
com a bola dominada, penetrando na defesa adversária e batendo os seus
oponentes com facilidade”, entretanto, em que pesem todos os esforços, o time
de Pelé foi para o intervalo perdendo por 1 a 0.
Durante o
intervalo mais controvérsia surgiu a respeito dos refletores.
Como
mencionado anteriormente o gerador apenas estava apto para fornecer energia para
as luzes de emergência e três dos quatro refletores, deixando o gol do lado da
Witton End às sombras.
Por alguma
razão, que nunca foi adequadamente explicada, alguém mudou a iluminação nos
arredores da Holte End e este se tornou o canto mais escuro do campo.
Com os
times voltando do intervalo o Santos deveria defender o lado mais escuro do
campo no segundo tempo da partida.
10. Pelé conversa com fotógrafo antes de ir para os vestiários (Pinterest) |
Contudo,
Pelé, compreensivelmente, viu isso como sendo altamente injusto e,
consequentemente, os brasileiros se recusaram a voltar para o segundo tempo
enquanto as luzes não fossem revertidas à sua configuração original.
Ray Graydon
relembra o incidente: “Pelé apareceu no meio do intervalo e ficou olhando a
iluminação e reclamou com todo mundo que eles não queriam defender o lado
sombrio. Eu acho que foi o árbitro Jack Taylor que resolveu a situação e nós
atacamos para Holte End, com os refletores ligados daquele lado e deixando
Cumbsey (goleiro do Villa) na escuridão do outro lado!”
Uma vez que
finalmente o segundo tempo começou não levou muito tempo para o Villa melhorar
a sua vantagem.
Bruce Rioch
mostrou uma das suas marcas registradas, a corrida do meio de campo até chegar
perigosamente na área adversária onde ele cinicamente desabou.
Pênalti!
Um jovem
Ray Graydon caminhou em frente de uma lotada Holte End e não vacilou na marca
da cal.
O jogo teve
altos e baixos pela próxima meia hora ou mais até Brian Tiler, que substituiu George
Curtis, derrubar Pelé no limite da grande área.
11. Aparentemente – não consegui identificar o jogador durante a pesquisa de imagens referentes ao jogo - Pat McMahon com a camisa de Pelé após o término do jogo (Pinterest) |
Ele
resultou no tiro livre convertido por Edu que ainda é considerado um dos mais
belos já vistos no Villa Park.
Ele chutou
a bola por cima da barreira de seis homens e a bola se aninhou no canto inferior
do gol deixando o goleiro do Villa, Jim Cumbes, sem qualquer chance de defesa.
O público
extasiado reagiu espontaneamente com uma salva de palmas!
Como
Charlie Aitken disse: “Edu foi a estrela daquele show, ele foi brilhante e
aquela cobrança de falta foi fantástica.”
Não houve
mais incidentes e então o jogo acabou com uma famosa vitória do Villa contra um
dos melhores times do mundo.
Ray Graydon
resumiu tudo numa frase: “Quando as pessoas perguntam sobre o ponto alto da
minha carreira eu sempre digo que joguei contra o Santos de Pelé e marquei um
gol!”
12. Manchete do jornal Express destacando que Pelé brilhou para um público de 54.000 espectadores (Pinterest) |
Ficha
técnica da partida:
Aston
Villa 2 (Pat McMahon, Ray Graydon) Santos 1 (Edu)
Amistoso
Internacional
Local:
Villa Park
Data:
21 de fevereiro de 1972
Público:
54.437
Aston
Villa: Cumbes, Wright, Aitken; Rioch B., Curtis, Tindall; Graydon, McMahon,
Locchead, Hamilton e Martin.
Santos: Cejas;
Orlando Lelé, Paulo, Oberdan e Zé Carlos; Léo Oliveira e Nenê; Manoel Maria,
Edu, Pelé e Ferreira. *
* Aston
Villa: Friendlies, Tours and Testmonials - Bryan J. Sheppard. *
13. Manchete do jornal Express destacando a passagem de Pelé por Birmingham (Pinterest) |
Tradução:
Sandro Pontes
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