sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Aston Villa - A classe do Rei Pelé na Vila da Rainha

Aston Villa 2 Santos 1 – Amistoso 1972

O Villa, no começo dos anos 1970s conseguiu o que muitos times desejavam na época: levar o Santos Futebol Clube de Pelé para jogar no Villa Park.

O grande Santos de Pelé sempre era requisitado para amistosos no mundo inteiro e, onde quer que fosse, especialmente por conta do Rei do Futebol, sempre foram o centro das atenções.

E não foi diferente neste amistoso com Aston Villa disputado em fevereiro de 1972 em Birmingham.

Mas, antes da bola rolar, aconteceram muitas coisas que quase impedem o jogo de acontecer, bem como durante o jogo também houveram alguns fatos inusitados.

Descubram maiores detalhes e bastidores do jogo ao ler o ótimo texto abaixo.

Boa leitura.

1. Programa oficial da partida autografado por Pelé (eBay)

A temporada de 1970-71, tendo perdido para os Spurs numa dura batalha pela League Cup e tendo deixado escapar a subida à Second Division por pouco, foi um tipo de experiência “quase lá” tanto para jogadores quanto para torcedores.

Isso significava que o Villa encararia uma segunda temporada consecutiva labutando no terceiro nível do futebol inglês.

O Villa começou a campanha de 1971-72 muito bem e em fevereiro estava confortavelmente posicionado na tabela de classificação e olhando adiante, pensando seriamente no acesso à Second Division.

Além disso o gerente comercial do clube, Eric Woodward, tinha arranjado alguns amistosos muito empolgantes e bem-sucedidos perante o público, no Villa Park contra times como o gigante alemão Bayern de Munique e o time polonês do Gornick Zabrze.

O próximo na agenda de Woodward era o Santos do Brasil apresentando o, muito provavelmente, melhor jogador no mundo naqueles tempos, Edson Arantes do Nascimento ou simplesmente, como ele é conhecido em todo canto do planeta, Pelé.

Como Woodward conseguiu atrair tão requisitados oponentes para o Villa Park é uma façanha por si só, mas o fato de como esta partida conseguiu ser realizada foi um pequeno milagre.

2. Verso do programa com anotações sobre as escalações das duas equipes (Twitter Old Football)

1972 foi ano da greve nacional dos mineradores, que começou em 9 de janeiro e se estendeu por sete semanas.

A partir de 5 de fevereiro as fábricas começaram a dispensar trabalhadores por causa da falta de energia e a estação de rádio local da BBC estava alertando sobre cortes de energia residenciais.

Esta situação levou o Governo Conservador a declarar estado de emergência e, para economizar eletricidade, eles introduziram a semana de três dias trabalhados.

Um resultado direto desta situação foi o início das partidas de futebol mais cedo, incluindo os jogos de meio de semana a fim de economizar energia.

Isto deixou o Villa, de acordo com relatos da imprensa na época, que já tinha concordado em pagar ao Santos em torno de £13.000 para jogar a partida, numa situação muito difícil.

Pareciam haver três opções.

Em primeiro lugar, eles podiam mudar o horário do início da partida para a tarde de segunda-feira, entretanto isso consideravelmente reduziria a presença do público.

3. Pelé e o time do Villa entrando em campo (Pinterest)

Outra opção seria cancelar o jogo o que era visto como totalmente fora de questão.

A terceira possibilidade era procurar um gerador para garantir o funcionamento dos refletores e das luzes de emergência.

Esta última opção seria, por razões óbvias, muito difícil de se fazer.

Após muitas reuniões e discussões extraoficiais foi decidido que o show deveria continuar como originalmente planejado e, então, o presidente Doug Ellis embarcou numa desafiadora missão de procurar um gerador.

Após muita procura em toda Europa ele finalmente localizou um na Holanda pelo qual o clube pagou £5.000, contudo só uma parte do problema estava resolvido.

O próximo desafio era como importar o gerador para o Reino Unido e então para Birmingham sem atrair a atenção dos piquetes, que fariam o seu melhor para impedir o seu avanço.

4. Os capitães de Villa e Santos, Bruce Rioch e Oberdan, trocam flâmulas e cumprimentos diante do árbitro Jack Taylor que se encontra à direita (Getty Images)

Como isso foi conseguido nunca foi devidamente explicado, mas é suficiente dizer que o dito gerador chegou no estacionamento do Villa Park embalado em diversas caixas.

A próxima tarefa era remontar a máquina e testá-la. Felizmente, após o enorme trabalho, ele funcionou de acordo com o plano e o jogo estava em pé!

Enquanto isso Pelé e o time do Santos viajaram para Paris e voariam à Birmingham no dia seguinte e depois para o seu hotel.

Então em uma tarde fria de domingo os brasileiros foram recepcionados em Birmingham por um público animado no Hotel Albany localizado no centro da cidade.

Durante a subsequente coletiva de imprensa Pelé fez muitos amigos ao elogiar o Aston Villa desta maneira: “Eu sei que eles estão na Third Division, mas em meu país eles ainda são grandes!”

Vic Crowe, que também foi entrevistado no evento disse sobre Pelé: “Eu joguei contra ele três vezes e isto é o mais próximo que eu já estive dele.”


5. Pat McMahon abriu o placar para o Villa (Pinterest)


Enquanto isso, Jimmy Brown, o jovem e empolgante meio-campista do Aston Villa, estava tentando desesperadamente pegar um voo de volta da Islândia onde ele havia jogado pela fase classificatória da Copa do Mundo Juvenil pela Escócia.

A razão da sua ansiedade era porque ele queria estar de volta em Birmingham a tempo para o jogo do Santos.

Jimmy conta sua história: “Eu liguei para Vic (Crowe) e perguntei se eu poderia jogar contra o Santos se voltasse da Islândia em tempo. Eu disse a ele que se eu jogasse poderia marcar o Pelé durante o jogo”.

De acordo com Jimmy, Vic não estava feliz com o pedido e explicou a ele de uma maneira não muito segura que queria que Pelé tivesse alguma liberdade para poder entreter o público.

Tendo em conta este comentário de Vic é fácil de entender porque Jimmy não foi selecionando para jogar, embora tenha conseguido voltar em meio a um horrível congestionamento em Birmingham, causado pela grande multidão tentando chegar no Villa Park e chegou ao campo com menos de dez minutos para o início do jogo.

Nesse meio tempo o gerador apresentou problemas.

6. Ray Graydon ampliou a vantagem do Villa em cobrança de pênalti (Getty Images)

Parecia que ele era potente para gerar energia para três dos quatro refletores e o jogo ainda corria o risco de ser cancelado.

Felizmente após acaloradas negociações com os dirigentes do Santos, que incluíam Pelé, foi decidido que se jogaria com a iluminação deste jeito, mesmo.

Isto significava que haveria somente um refletor funcionando no setor Witton End do campo.

De volta ao vestiário do Villa, Neil Roch, um substituto não utilizado no jogo, lembra que atmosfera estava ficando eletrizante (sem nenhum trocadilho) similar a um grande jogo da FA Cup.

Ele explicou: “Como profissional você sonha em jogar contra os grandes jogadores e não poderia haver nada melhor do que jogar contra o Santos naqueles tempos.

“O Brasil havia ganho a Copa do Mundo no México e os jogadores que jogavam naquela época todos concordam que aquela seleção nacional foi o maior time de futebol que já tinham visto e alguns deles estavam jogando contra nós no Villa Park”, complementa Rioch.

7. O treinador Vic Crowe em foto de 23 de agosto de 1971 (Getty Images)

Ray Graydon, que estava em sua primeira temporada pelo Aston Villa, ecoa as memórias de Neil: “Eu era somente uma criança e estava aguardando para jogar contra Pelé e todos aqueles brasileiros de categoria internacional. A coisa toda foi como se estivesse no topo do mundo para mim – algo de enorme importância”.

Com a questão dos refletores resolvida, surgiram mais problemas. Evidentemente que os dirigentes do Santos estavam descontentes e salientaram que, com um público de quase 55.000 pessoas no estádio, o cachê acordado anteriormente não era mais apropriado.

Por essa razão eles insistiram em renegociar o acordo.

Jimmy Brown lembra disso claramente, pois ele estava parado no túnel próximo de onde as discussões aconteceram: “O Santos disse que não poderiam ir a campo a não ser que eles recebessem mais £10.000 e o Villa teve que pagar”, comentou Jimmy.

Outros relatos sugerem que a não ser que o cachê pela aparição do Santos fosse aumentado para refletir a presença do público, o jogo ainda poderia prosseguir, mas Pelé não jogaria.

Seja qual for a verdade neste embate, o jogo finalmente aconteceu, Pelé jogou e o Villa atacou para o pouco iluminado lado do Witton End no primeiro tempo.

O time da casa começou com esta equipe: Cumbes, Wright, Aitken; Rioch B., Curtis, Tindall; Graydon, McMahon, Locchead, Hamilton e Martin. Substitutos: Lynch, Tiler, Hoban, Rioch N. e Hughes.

8. Crianças tentando abraçar Pelé no Villa Park após o término do jogo (Twitter Aston Villa)

Desde o apito inicial estava claro que o Villa levaria o jogo muito a sério.

Nesse aspecto eles marcaram o Santos muito firme e deram poucas oportunidades para os brasileiros jogarem o seu jogo de exibição. Como Charlie Aitken relembra: “Os brasileiros certamente perceberam que estavam num jogo sério”.

Conforme o jogo se desenrolava, Ray Graydon constatou que havia batido o lateral esquerdo e lembra claramente: “Eu passei pelo lateral mais vezes naquele jogo do que eu havia feito em qualquer outro jogo em minha vida... eu estava surpreso e pensei: ‘bem, isto era magnífico’!”

Foi de um escanteio cobrado por Ray, seguido de um dos seus muito ataques pela ponta direita que resultou no primeiro gol do jogo.

O cruzamento de Ray foi desviado da sua trajetória por uma casquinha de Charlie Aitken e encontrou o desmarcado Pat McMahon que empurrou a bola fora do alcance do goleiro no alto da rede.

O público foi à loucura e, aparentemente, sua celebração podia ser ouvida no centro de Birmingham.

9. Pelé acenando para o público antes de se retirar do campo (Pinterest)

O Aston Villa continuava a pressionar, mas conforme o primeiro tempo ia passando, Pelé entrou mais no jogo e finalmente começou a exibir sua categoria.

De acordo com relatos contemporâneos da imprensa, alguns dos seus passes com a parte interna ou externa de ambos os pés desafiavam a lógica.

O Birmingham Post se entusiasmou: “conforme o primeiro tempo passava, ele correu com a bola dominada, penetrando na defesa adversária e batendo os seus oponentes com facilidade”, entretanto, em que pesem todos os esforços, o time de Pelé foi para o intervalo perdendo por 1 a 0.

Durante o intervalo mais controvérsia surgiu a respeito dos refletores.

Como mencionado anteriormente o gerador apenas estava apto para fornecer energia para as luzes de emergência e três dos quatro refletores, deixando o gol do lado da Witton End às sombras.

Por alguma razão, que nunca foi adequadamente explicada, alguém mudou a iluminação nos arredores da Holte End e este se tornou o canto mais escuro do campo.

Com os times voltando do intervalo o Santos deveria defender o lado mais escuro do campo no segundo tempo da partida.

10. Pelé conversa com fotógrafo antes de ir para os vestiários (Pinterest)

Contudo, Pelé, compreensivelmente, viu isso como sendo altamente injusto e, consequentemente, os brasileiros se recusaram a voltar para o segundo tempo enquanto as luzes não fossem revertidas à sua configuração original.

Ray Graydon relembra o incidente: “Pelé apareceu no meio do intervalo e ficou olhando a iluminação e reclamou com todo mundo que eles não queriam defender o lado sombrio. Eu acho que foi o árbitro Jack Taylor que resolveu a situação e nós atacamos para Holte End, com os refletores ligados daquele lado e deixando Cumbsey (goleiro do Villa) na escuridão do outro lado!”

Uma vez que finalmente o segundo tempo começou não levou muito tempo para o Villa melhorar a sua vantagem.

Bruce Rioch mostrou uma das suas marcas registradas, a corrida do meio de campo até chegar perigosamente na área adversária onde ele cinicamente desabou.

Pênalti!

Um jovem Ray Graydon caminhou em frente de uma lotada Holte End e não vacilou na marca da cal.

O jogo teve altos e baixos pela próxima meia hora ou mais até Brian Tiler, que substituiu George Curtis, derrubar Pelé no limite da grande área.

11. Aparentemente – não consegui identificar o jogador durante a pesquisa de imagens referentes ao jogo - Pat McMahon com a camisa de Pelé após o término do jogo (Pinterest)

Ele resultou no tiro livre convertido por Edu que ainda é considerado um dos mais belos já vistos no Villa Park.

Ele chutou a bola por cima da barreira de seis homens e a bola se aninhou no canto inferior do gol deixando o goleiro do Villa, Jim Cumbes, sem qualquer chance de defesa.

O público extasiado reagiu espontaneamente com uma salva de palmas!

Como Charlie Aitken disse: “Edu foi a estrela daquele show, ele foi brilhante e aquela cobrança de falta foi fantástica.”

Não houve mais incidentes e então o jogo acabou com uma famosa vitória do Villa contra um dos melhores times do mundo.

Ray Graydon resumiu tudo numa frase: “Quando as pessoas perguntam sobre o ponto alto da minha carreira eu sempre digo que joguei contra o Santos de Pelé e marquei um gol!”

12. Manchete do jornal Express destacando que Pelé brilhou para um público de 54.000 espectadores (Pinterest)

Ficha técnica da partida:

Aston Villa 2 (Pat McMahon, Ray Graydon) Santos 1 (Edu)

Amistoso Internacional

Local: Villa Park

Data: 21 de fevereiro de 1972

Público: 54.437

Aston Villa: Cumbes, Wright, Aitken; Rioch B., Curtis, Tindall; Graydon, McMahon, Locchead, Hamilton e Martin.

Santos: Cejas; Orlando Lelé, Paulo, Oberdan e Zé Carlos; Léo Oliveira e Nenê; Manoel Maria, Edu, Pelé e Ferreira. *

* Aston Villa: Friendlies, Tours and Testmonials - Bryan J. Sheppard. *

13. Manchete do jornal Express destacando a passagem de Pelé por Birmingham (Pinterest)

Tradução: Sandro Pontes

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